Querida mamã:
Estou muito feliz por não me teres deixado nascer. Escrevo-te do mundo do além para te dizer que, ao princípio, até estava feliz com a possibilidade. Não é que me interessasse muito nascer porque já me disseram que o mundo lá fora é injusto e cruel e que se uma criança nasce sem ser desejada ele pode ainda ser pior. Mas morri. Mesmo assim chamo-te mamã. Porque, por breves semanas, habitei as tuas “sagradas entranhas”.Ainda bem que não me deixaste nove meses a crescer na tua barriga. Nove meses pode ser muito tempo para nos sentirmos indesejados. E depois eu não queria sentir que era um peso para ti. E mesmo que me desses para adopção como fazem os que conseguem ainda ser mais cruéis que tu, eu não ia ficar feliz, porque eu amo-te mamã. Ainda que me tenhas matado.
No dia em que choraste muito. Naquele dia de manhã. Lembras-te? De facto, no dia em que eu morri, feliz, foi o dia em que te amei mais. Porque senti que embora me matasses tu já gostavas de mim. E que embora me matasses estavas apenas a querer que eu vivesse para sempre na tua cabeça. Como uma recordação. Mamã. Eu quero que essa recordação seja boa. Porque eu percebo porque me mataste.
Um dia, quando vieres para este lado, para este mundo dos mortos, falaremos um com o outro e teremos tempo para nos amarmos. Agora não era a hora. E quem melhor do que tu podia saber o que era melhor para mim? Quem melhor do que tu podia dizer que não era a hora de eu nascer?
Depois de ter pensado naquilo que me aconteceu fiquei mais descansado. Para quê viver num mundo cruel e mau? Para quê viver sem condições? Para quê ser apresentado como um troféu com o ranho a escorrer-me do nariz? Para quê morrer numa guerra? Para quê?
Ainda bem que me mataste mãe. Prefiro assim. É melhor morrer às mãos de uma mãe do que morrer por uma bala qualquer de um estranho. É melhor morrer às mãos de quem nos ama do que nascer para ser filho de outros. Eu não queria ser filho de outros, mãe. Eu só te amo a ti.
Peço-te, nunca te arrependas daquilo que fizeste. Eu sei que o fizeste para o meu bem.
Do teu filho que te adora,
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in Bitaites
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