"Os perigos são reais. Por favor, não tentes isto em casa!". O aviso interrompe todas as emissões de wrestling, acompanhado de imagens de lutadores gravemente lesionados. João, André, Leonardo e Tiago têm entre 13 e 16 anos. Nunca se viram, mas têm em comum uma paixão que arrepia quem vê os vídeos de luta livre que filmam com os amigos.
Primeiro partiu a cama. Depois, o sofá. Noutro dia, João, hoje com 13 anos, pediu uma pomada ao pai para as costas. De início, não explicou porquê. Mais tarde, confessou: "Estava a treinar e caí mal".
Excelente aluno, João tem sempre um terço na mala. Talvez para ter sorte nos truques de wrestling que continua a treinar, apesar de acabar sempre todo rasgado, dorido ou arranhado. "Em casa, no jardim ou no meio das silvas de qualquer serra, imagina-se num ringue", conta a mãe, Otília Simões, que apesar das críticas das colegas de trabalho, apoia o filho – "Meto as mãos à cabeça cada vez que o vejo, mas é o amor da vida dos miúdos…", explica-se.
A história de João é semelhante à de outras crianças e adolescentes que se apaixonaram pelo wrestling que a SIC Radical passou a transmitir, após mais de uma década de interrupção na televisão portuguesa (ver texto………). A luta livre (encenada) virou fenómeno de popularidade entre os jovens que, rapidamente, começaram a passar o que vêem na televisão para as suas casas, jardins ou qualquer outro espaço à volta do sítio onde moram. O wrestling caseiro português espalha-se pela Internet.
"Víamos e imitávamos"
Cara de miúdo com altura de homem, João e os amigos vão explicando: não gostam de futebol; a luta vinda do outro lado do Atlântico foi paixão à primeira vista; gostaram das histórias, do enredo da novela, dos movimentos e dos truques.
Um dia, numa festa da escola, João levou a câmara de filmar e começou a fazer o que via na televisão às sextas e domingos à noite. "Saiu bem" e continuaram a experimentar. Ao lado, Alexandre, de 15 anos, explica que não conheciam qualquer técnica usada pelos lutadores – como as que evitam lesões nas quedas. "Víamos e imitávamos", recorda. Mais tarde, numa opção absurda para quem percebe do assunto, começaram a olhar para os movimentos nos jogos de computador e consolas, onde o wrestling está há meses nos tops de vendas. O medo de se magoarem existe, mas é ultrapassado com concentração e após a primeira tentativa.
Depois da escola, passaram a treinar no parque da Quinta das Conchas, na Alta de Lisboa, onde reúnem entre cinco a dez amigos todos os fins-de-semana, no meio de aplausos ou críticas de quem passeia no jardim. Só faltam quando o corpo está demasiado dorido ou falta material – caixas e tábuas para amortecer as quedas. De um colega, arranjaram um caixote de metal. No hipermercado compraram uma cadeira como a que vêem na televisão a “voar” contra a cabeça dos lutadores, mas sem o mesmo metal dobradiço...
WRESTLING
Nascido da luta livre amadora, o wrestling profissional é hoje um espectáculo de entretenimento que simula um combate desportivo. Com várias empresas promotoras de espectáculos, sobretudo nos EUA, a World Wrestling Entertainment é a principal marca de uma indústria que rende milhões em transmissões televisas, DVD`s e merchandising. Com uma história de 20 anos e cotada na bolsa de Nova Iorque, a WWE tem receitas anuais de 400 milhões de dólares. Aos 61 anos, o milionário presidente da empresa, Vince McMahon, tem presença assídua nos ringues, como lutador na “novela para homens” que organiza e transmite para mais de 130 países.
TARZAN TABORDA
Único lutador português conhecido internacionalmente, Tarzan Taborda participou em mais de quatro mil combates e foi nove vezes campeão mundial e europeu de luta livre. Nunca perdeu. Lutou até 1981, mas ficou conhecido das gerações mais novas como comentador de wrestling na RTP durante a década de 90. Morreu em 2005 com 78 anos.
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